Em um país de dimensões continentais e desafios socioeconômicos complexos, as privatizações surgem como tema central na agenda pública brasileira. A crescente pressão para equilibrar as contas públicas, modernizar a infraestrutura e atrair investimentos tem gerado debates acalorados em todas as esferas do poder. Embora as privatizações proponham soluções para redução do déficit fiscal e estímulo econômico, também despertam receios sobre impacto social, controle estratégico e equidade no acesso a serviços essenciais.
O processo de transferência de ativos estatais para a iniciativa privada teve seu auge nas décadas de 1990 e 2000, mas continua redefinindo o cenário econômico do país. Entre 1990 e 2022, foram apresentados 193 projetos, dos quais 124 foram concluídos, resultando em receitas relevantes e promessas de investimento. Para avaliar oportunidades e riscos, é fundamental analisar dados históricos, desempenho pós-privatização e os argumentos que sustentam ou contestam essas operações.
A iniciativa privada assumiu papel mais expressivo no Brasil a partir da década de 1990, em meio a um contexto de reformas liberalizantes que buscavam fortalecer a economia e atrair capital privado. Dos 193 projetos de privatização apresentados pelo governo federal, 124 foram concluídos, equivalendo a 64% do total. As operações geraram R$ 46,4 bilhões em outorgas e pavimentaram o caminho para investimentos futuros, que somam R$ 253,3 bilhões em concessões com prazo de até 30 anos.
Os setores de energia, transportes e serviços públicos dominaram o programa de privatizações. Na área energética, foram realizadas 94 concessões, especialmente em linhas de transmissão. No transporte, destacam-se aeroportos, rodovias e portos. Empresas de tecnologia e serviços, como Correios, Telebras e Serpro, também entraram na pauta de vendas. Um caso emblemático é a CSN, privatizada em 1993, cujo investimento anual saltou de R$ 65 milhões para R$ 256 milhões em poucos anos.
Apesar dos números históricos, as estatais federais enfrentam cenário adverso em 2025. Entre janeiro e agosto, contabilizaram déficit de R$ 8,3 bilhões, o pior resultado desde o início da série histórica em 2001, superando o rombo de R$ 8 bilhões de 2024. Empresas como os Correios registraram perdas de R$ 4,4 bilhões no primeiro semestre, enquanto Emgepron, Infraero e Dataprev acumulam prejuízos expressivos, pressionando o Tesouro e exigindo reforço de caixa por meio de empréstimos.
Para os entusiastas da privatização, a experiência internacional e casos nacionais mostram ganhos significativos em eficiência e lucratividade. A CSN, por exemplo, saiu de prejuízo médio anual de R$ 1 bilhão para lucro de R$ 232 milhões. Com maior autonomia operacional, passou a investir agressivamente e ampliou a arrecadação de impostos de R$ 128 milhões para R$ 208 milhões ao ano, ilustrando o potencial de investimentos e crescimento econômico sustentável.
Além disso, as privatizações podem liberar espaço fiscal para políticas sociais, reduzir o endividamento público e estimular parcerias público-privadas que tragam tecnologia de ponta. Defensores destacam o papel dessas operações na retomada de projetos estratégicos e na promoção de eficiência no uso de recursos e capital.
Oposição ao processo alerta para riscos de perda de controle sobre ativos essenciais, como geração de energia, serviços postais e telecomunicações. Críticos afirmam que a atuação estatal é fundamental para garantir acesso universal e regulação justa, evitando que regiões menos rentáveis fiquem desassistidas por critérios estritamente comerciais.
Há ainda preocupações com impactos sociais, incluindo demissões em massa, precarização de contratos e reajuste de tarifas básicas. Organizações trabalhistas e movimentos sociais temem que a redução de mão de obra e a busca por lucro levem a consequências negativas para a população, especialmente em áreas remotas e vulneráveis.
Pesquisas de opinião mostram divisão clara dos brasileiros: em janeiro de 2025, 48% apoiavam algum tipo de privatização, enquanto 47% defendiam manter o controle estatal. No caso específico dos Correios, Datafolha apontou empate técnico em 2023, com 45% favoráveis e 46% contrários. O governo Bolsonaro reduziu de 209 para 133 o número de estatais federais, mas enfrentou barreiras legais e políticas. Já o atual governo destaca o papel das empresas públicas como instrumento de desenvolvimento e inovação, sobretudo em transição energética e logística.
Na América Latina, países como Argentina, México e Chile adotaram privatizações no setor elétrico, com resultados variados em universalização e tarifas. Enquanto alguns obtiveram queda no custo e melhoria na eficiência, outros relatam prejuízos sociais. No Brasil, as estatais federais continuam investindo: foram R$ 96 bilhões em 2024 e R$ 106 bilhões no Novo PAC, alcançando faturamento de R$ 1,3 trilhão e ativos de R$ 6,7 trilhões. Bancos públicos, por exemplo, ampliaram linhas de crédito para R$ 500 bilhões, reafirmando seu papel na economia.
O debate sobre privatizações no Brasil exige equilíbrio entre modelo de Estado forte e participação privada. O desafio é conciliar eficiência econômica com garantia de acesso e proteção social. Processos transparentes, critérios claros e mecanismos de regulação robustos são essenciais para que eventuais vendas de ativos tragam retorno real aos cidadãos e não apenas receitas imediatas.
Construir um futuro sustentável passa por diálogo amplo, participação da sociedade civil e avaliação constante de resultados. A colaboração entre Estado e iniciativa privada pode ser o caminho para superar gargalos em infraestrutura e serviços, mas somente se pautada em diretrizes que priorizem o interesse público e o desenvolvimento social.
Referências